Mães relatam agressões e tortura contra crianças autistas em clínica particular

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Segundo uma mãe, o menino começou a recusar o toque nos órgãos genitais, em específico, depois que começou a frequentar a fonoaudióloga de Duartina, investigada pela Polícia Civil. Outras mulheres também relatam descaso no atendimento dos filhos.

As mães que denunciaram à polícia supostas agressões e torturas contra crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em uma clínica particular de Duartina revelaram como suspeitaram das situações.

Para preservar as crianças, nenhuma das três mães ouvidas pela reportagem será identificada. Além das mães, uma ex-funcionária que registrou imagens, áudios e vídeos das crianças durante o atendimento com uma fonoaudióloga e as entregou à polícia.

Contratada como acompanhante terapêutica de um dos meninos atendidos, a funcionária disse que optou por formalizar a denúncia quando viu ele receber um tapa.

“As crianças não estavam tendo atendimento. A fonoaudióloga falava com as mães, mas as crianças ficavam na sala comigo e eu estou cursando a psicologia, ainda não tenho repertório para fazer o tratamento adequado”, garante.

Quando se deu conta do que estava vivenciando na clínica, a funcionária ressaltou que ficou abalada psicologicamente.

“Quando presenciei a olho nu, eu falei para a minha chefe, a que havia me contratado como acompanhante, que não queria trabalhar mais lá. Ainda fiquei na clínica quase um mês pra registrar esses momentos. O que eu presenciei nunca vou tirar da cabeça. Não tem sentimento pior. Fiz tudo pelas crianças”, finalizou.

O celular da funcionária foi apreendido pela delegacia que investiga o caso. De acordo com o delegado Paulo Calil, as filmagens feitas com o aparelho foram encaminhadas para perícia para serem avaliadas. O laudo dos vídeos deve ser emitido nos próximos dias.

O delegado também disse que apura o crime de tortura, que se comprovado, é inafiançável.

Diagnóstico duvidoso.

Uma das mães afirma que suspeitou do comportamento alterado do filho, de 2 anos, após consultas com uma fonoaudióloga da clínica que começaram no dia 8 de junho de 2021.

Na época, ela procurou atendimento quando percebeu que o menino não desenvolveu a fala, além de se alimentar apenas com comidas específicas. Depois de levar o filho à consulta, foi recomendado pela fonoaudióloga, segundo a mãe, que levasse o menino a um neurologista pediátrico.

Assim foi feito, em 15 de junho de 2021, e o menino foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em grau leve para moderado pelo neurologista, também particular. A partir daí, a mulher começou a levar o filho em consultas regulares com a fonoaudióloga para que o acompanhamento fosse iniciado.

“Toda sexta-feira, meu filho ia à terapia com a fonoaudióloga e com a terapeuta ocupacional. Nós não tínhamos acesso às terapias, eram reservadas. Nesse tempo não observamos nada de anormal”, conta.

Em paralelo a isso, a mulher explicou que foi orientada a levar o filho à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Garça (SP), em julho de 2021. No local, ele também começou a ser acompanhado por fonoaudiólogas, psicólogas e terapeutas ocupacionais.

Pela APAE trabalhar com outro método de acompanhamento que não o ABA (Análise de Comportamento Aplicada – em português), como utilizado previamente pela fonoaudióloga da clínica particular, os profissionais recomendaram que a mãe escolhesse um dos locais para tratamento do filho, a fim de não confundir a criança.

“Quando ele entrou na APAE eu percebi um avanço muito grande. Antes, ele não conseguia lidar com nada, mas melhorou o lado sensorial. Ele ainda não é 100% verbal, não entendemos muita coisa, mas tem melhorado muito. Ele já fala ‘mamãe’ e ‘papai’, por exemplo”, recorda.

As profissionais da APAE emitiram um relatório, com apontamentos de melhora no tato, no sensorial e, principalmente, na fala.

Inclusive, a mãe conta que chegaram a cogitar uma nova consulta com outro neurologista para comprovar o diagnóstico de TEA, já que poderiam ter diagnosticado o estereotipo autista de forma precipitada.

Dessa vez em consulta com uma neurologista pediátrica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), foi levantada a hipótese de ser apenas um atraso de fala, com recomendação de que o paciente continue o atendimento periódico, além do acompanhamento com a APAE.

“Na primeira consulta, a médica falou que não fecha o diagnóstico para autismo antes dos 3 anos. Meu filho tinha 2 anos e 8 meses, mas na observação ela falou que ele não possui características para o autismo”, comenta.

Assim que o filho completou 3 anos, a mulher afirmou que o encaminhou à uma pediatra na Unidade Básica de Saúde (UBS) para consulta de rotina. Na ocasião, o menino se incomodou quando a médica examinou seus órgãos genitais.

Segundo a mãe, o menino começou a recusar o toque nos órgão em específico depois que começou a frequentar a fonoaudióloga da clínica particular de Duartina, sem razão aparente, até então.

Assim que percebeu essa alteração de comportamento, outras mães também entraram em contato com ela com relatos parecidos.

A mãe contou também que o delegado responsável pelas investigações do caso, Paulo Calil, a orientou a encaminhar o menino para psicóloga.

Essa, por sua vez, recomendou que a mãe gravasse um vídeo em que pergunta ao menino a respeito do órgão genital, relacionando ao período que foi atendido pela fonoaudióloga, na tentativa de descobrir o que motivou a recusa.

No vídeo, a mãe pergunta: “Onde a tia pegava e colocava a mãozinha?”. Logo o menino responde e aponta com o dedo sob a fralda: “Aqui”. Para todas as vezes que a mãe questiona, a criança confirma que a profissional tocava no órgão, apesar de afirmar não sentir dor.

Após quatro consultas com a psicóloga, será enviado um relatório ao delegado a fim de entender os motivos desta recusa e se estão relacionados à conduta da fonoaudióloga.

‘Eu confiava nela’

Outra mãe ouvida pela reportagem contou que o filho, de 9 anos, era trancado em salas no consultório da fonoaudióloga. Ela descobriu o ocorrido quando foi chamada à delegacia e viu a foto que mostra as mãos do menino no vidro.

Segundo a mãe, o menino foi diagnosticado com autismo em grau severo aos dois anos e meio. Desde então, o filho é acompanhado por essa fonoaudióloga.

Contudo, a mãe lembra que começou a perceber que o filho não estava evoluindo no tratamento desde o final de 2020. Por isso, quando foi chamada à delegacia, acreditava que se tratava da denúncia de falta de atendimento, já que um boletim de ocorrência desse teor já havia sido registrado.

“No dia 9 de junho deste ano fui chamada à delegacia. Eu achava que eles iam me perguntar dessa falta de atendimento, que eu também vinha percebendo. Mas, não. Eu descobri que meu filho era trancado em salas do consultório. Não estava esperando. Eu confiava nela”, lembra.

Ainda segundo esta mãe, o filho voltava para a casa com as roupas urinadas e, algumas vezes, sem camiseta. No mesmo dia em que foi à delegacia, a mãe recorda que parou de levar o menino às consultas.

Agressão

Uma terceira mãe explicou, bastante emocionada, que o filho, de 6 anos, teria sido agredido na boca pela fonoaudióloga. Segundo ela conta, a criança levou um tapa por ter mordido a profissional.

O menino foi diagnosticado com autismo também em grau severo e, desde os 2 anos, é levado para o acompanhamento multidisciplinar. Há dois anos, segundo a mulher, o filho também não demonstra evolução no tratamento.

“É muito difícil, eu sei de onde o meu filho veio, sei o que ele passou pra chegar onde está. É uma criança que não sabe falar, que não sabe se expressar. Ele é extremamente vulnerável. O tapa doeu muito mais em mim. Desumano”, lamenta.

No fim de maio deste ano, a criança parou de fazer o acompanhamento nesta clínica particular com a justificativa do descaso no atendimento. Com orientação de outras profissionais, a mãe afirma que o pequeno já consegue, por exemplo, ficar sentado.

Em nota, enviada nesta terça-feira (5), a defesa da fonoaudióloga informou que colabora com as investigações policiais. Além disso, afirmou que a família teve de sair da casa com medo de represálias.

“É necessário destacar que não houve ainda sequer a constituição formal de inquérito policial, de modo que todas as informações referentes às denúncias devem ser analisadas com cautela e prudência, tanto em respeito à pessoa das acusadas como às supostas vítimas. Todo o conteúdo até então reunido em investigação deverá ser confrontado com outros meios de prova, de modo que as informações existentes até então não indicam de forma cabal a ocorrência de qualquer ilícito. No momento oportuno, a verdade seja aclarada a todas as partes interessadas no feito, visto que os documentos juntados até o momento nos autos não são suficientes para embasar as alegações”, diz a nota.

 

 

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